Artigo: "Com armas, não há paz", por Humberto Costa


O recente massacre em Realengo trouxe de volta à pauta o debate sobre o controle da venda de armas no Brasil, que deve ser abordado com extrema responsabilidade, sob pena de nos tornarmos cúmplices, por omissão, de futuras tragédias. O principal risco que uma sociedade corre ao suspender as restrições ao comércio de armas, além de aumentar a disponibilidade desses dispositivos em mãos criminosas, é permitir uma combinação explosiva entre armas letais e situações de estresse a que qualquer cidadão está sujeito. Um risco que pode e deve ser evitado, e é nossa responsabilidade evitá-lo.
São inúmeros os casos de cidadãos que, ao reagirem a um usando uma arma guardada em casa, acabam fornecendo ao assaltante o instrumento do crime de que serão vítimas. Sem falar nos acidentes domésticos com armas de fogo, cujas vítimas quase sempre são crianças. O debate sobre o comércio de armas no Brasil, lamentavelmente, tem sido pautado mais pelos argumentos do lobby da indústria que pela racionalidade.
O Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) sofre constantes tentativas de revisão por parte do lobby das armas, é responsável, em larga medida, pelo resultado do referendo popular de 2005. Na época, retirou-se do estatuto o artigo 35, que proibia a comercialização de arma de fogo e munição em todo o país, salvo para casos previstos na lei.
Está nas mãos do Congresso a possibilidade de realizar novo referendo. É uma boa oportunidade para desmontarmos os mitos que funcionam como cortina de fumaça nesse debate.
O primeiro deles é a ideia de que a posse de uma arma de fogo aumenta as chances de defesa contra um criminoso. Este quase sempre sabe como usá-la, o cidadão comum, não. Sua tentativa de uso aumenta o risco de morte dele e de sua família.
Outro mito é acreditar que são as pessoas que matam, não as armas. Pessoas desarmadas podem trocar agressões em situações de estresse. Armadas, algumas cometem homicídios.
É enganosa a ideia de que proibir o comércio é querer desarmar os cidadãos de bem, enquanto os bandidos continuam armados. Desarmar é reduzir o número de armas em circulação para todos. A linha que separa um cidadão de bem de um bandido é facilmente transposta pelo uso de uma arma de fogo.
Opiniões simplificadoras respondem a um dos problemas mais sérios que enfrentamos no Brasil. As armas de fogo são o principal vetor da violência letal, e é urgente controlar seu comércio. O descontrole beneficia não o cidadão de bem, mas duas indústrias muito bem estruturadas: a de armas e a do crime.
* Artigo originalmente publicado no jornal O Tempo, no dia 27/5/11. Humberto Costa é senador (PT-PE), líder do partido e do bloco de apoio ao governo no Senado. Foto: Sérgio Figueirêdo.