Descentralização e falta de recursos dificultam gestão da saúde pública no Brasil


Os problemas enfrentados na saúde devem-se, principalmente, à complexidade do sistema brasileiro de atendimento universal, com descentralização política, administrativa e gerencial. Essa é a avaliação feita pelo secretário de Gestão Estratégica do Ministério da Saúde, Odorico Monteiro. Ele participou nesta quinta-feira (11/4) de audiência pública na comissão temporária para propor soluções para o financiamento do sistema de saúde.
A comissão foi criada em março depois de requerimento do senador Humberto Costa (PT-PE) para debater a situação da saúde e propor soluções para os investimentos na área (Req 145/2012). O colegiado é composto de cinco senadores, titulares e suplentes, e terá 90 dias para apresentar o relatório final.
Odorico Monteiro afirmou que o Brasil é o país que tem um modelo de atendimento universal de saúde com a maior quantidade de operadores do sistema, o que dificulta a gestão eficiente. São 5.595 operadores do sistema de saúde, disse, formado pela União, 26 estados e 5.568 municípios. Ele disse que as experiências similares no mundo ou são sistemas descentralizados às províncias, ou são unitários. Como exemplos de outros modelos de saúde universal, ele citou a Espanha, que possui 17 operadores; o Canadá, com 10; e a França, que trabalha com sistema unitário.
“Não criamos estruturas, até hoje, de amarração das relações solidárias interfederativas ao ponto de que o fluxo de cidadão seja garantido onde ele estiver. Este desenho interfederativo brasileiro coloca, por si só, um nível de complexidade que tem implicações importantes no nível do financiamento”, ressaltou Odorico Monteiro.
Desigualdade – O secretário apontou ainda as diferentes condições de atendimento integral à saúde nos diversos estados e municípios. Alguns, ressaltou, estão plenamente equipados tecnologicamente, como a cidade de São Paulo. No entanto, muitos dependem da estrutura de saúde de outros estados ou municípios, o que sobrecarrega o sistema dessas unidades que acolhem a população vizinha.
“Parte da questão do financiamento do Brasil, não é meramente de recursos, mas é também de como gerenciar a complexidade dessa máquina interfederativa, única no mundo, para o sistema de saúde”, avaliou, ao acrescentar que está otimista com a contribuição da comissão temporária para resolver o financiamento da saúde do país.
Na opinião da presidente do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro de Souza, é preciso observar as desigualdades regionais na elaboração de planos de financiamento da saúde do Brasil. Em sua avaliação, o tratamento do assunto exige discussão de uma reforma tributária, que inclua a distribuição de renda no país. Para ela, o Estado tem a responsabilidade de repartir as riquezas do país com os seus cidadãos.
Orçamento – Na visão de Maria do Socorro, o sistema de saúde brasileiro não é inteiramente público, já que conta com a complementaridade de atendimento do setor privado. Ela ressaltou que a sociedade arca com grande parte dos custos com saúde, uma vez que precisa contratar planos de saúde e pagar por serviços que não são oferecidos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Ainda, na avaliação da conselheira, um dos problemas de financiamento da Saúde deve-se ao contingenciamento, no Orçamento da União, dos recursos destinados à saúde e o cancelamento dos restos a pagar. Além dos recursos insuficientes, destacou o conselheiro Nacional de Saúde, Ronald Ferreira, também o contingenciamento de recursos e o cancelamento dos restos a pagar causam danos à área da saúde. Ele informou que até 2013 já foram cancelados R$ 12 bilhões de recursos dos restos a pagar.
CPMF – Como sugestões para solucionar problemas com o financiamento da saúde, Ronald Ferreira sugeriu a reflexão sobre taxação das grandes fortunas, a destinação de 50% dos royalties do petróleo para o setor, a exigência de ressarcimento dos serviços prestados pelo SUS aos planos de saúde privados e a reedição da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Quanto à taxação das grandes fortunas, ele disse que, se fosse feita taxação adequada, 957 pessoas físicas contribuiriam com a saúde em montante de R$ 8 bilhões por ano. Para ele, a concentração de renda no país “é algo escandaloso e desproporcional”.
Já sobre a reedição da CPMF, o conselheiro argumentou que 80% dos recursos da contribuição eram provenientes do sistema financeiro e de grandes indústrias. Esses recursos, garantiu, “fazem muita falta ao SUS”.
Fontes adicionais – O senador Paulo Davim (PV-RN) criticou o fato de, segundo ele, “as pessoas não se disponibilizarem a contribuir para terem serviços de saúde, como fazem com TV por assinatura ou estacionamentos”. Ele pediu que as sugestões dos convidados sobre novas fontes de financiamentos sejam enviadas à comissão. Em sua opinião, porém, apenas a criação de fontes adicionais não vai resolver a falta de recursos no setor.
O relator da comissão temporária, senador Humberto Costa, que foi ministro da Saúde durante o governo Lula, disse que a intenção é concluir os trabalhos com a apresentação de um projeto de lei com propostas para o financiamento do sistema de saúde pública.
Homenagem – Maria do Socorro e Ronald Ferreira também registraram a morte da presidente do Conselho Municipal de Saúde de Corumbá (MS) e do Conselho Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul, Valtênia Agda da Costa.
Ela participava nesta quarta-feira (10) de evento em Brasília e teve de ser socorrida em razão de problema de anemia falciforme, mas não resistiu. Ronald Ferreira ressaltou que a conselheira trabalhou “até os últimos momentos de sua vida” pela defesa do sistema de saúde. A presidência da comissão lamentou a morte da conselheira.
Fonte: Agência Senado.