Em oito anos, reduções de estômago quadruplicaram no Brasil

Cirurgia leva a grande perda de peso, mas médicos advertem que operação só tem resultado duradouro quando é seguida de novo estilo de vida

Das quatro cirurgias de redução de estômago autorizadas no Brasil, duas envolvem extirpar um pedaço do órgão.
O estômago de um adulto comporta 1,5 litro de comida mastigada. Após a operação mais drástica, passam a caber não mais do que 80 mililitros.
O obeso operado emagrece porque seu estômago passa a ter um espaço minúsculo para a comida. A barriga fica cheia após poucas garfadas. Em meses, pessoas que antes beiravam os 200 quilos pesam metade disso.
As reduções de estômago são cada vez mais empregadas no país. De 2003 a 2011, o número anual de operados quadruplicou — saltou de 18 mil para 77 mil. O apresentador Fausto Silva e o playboy Chiquinho Scarpa figuram na lista dos famosos operados.
Combater os quilos extras não é capricho. A obesidade aumenta o risco de dezenas de doenças, muitas capazes de matar, como diabetes, hipertensão, derrame, infarto e cânceres. Dos 194 milhões de brasileiros, segundo o Ministério da Saúde, 30 milhões têm obesidade em algum grau (tipo 1, severa ou mórbida).
Último recurso – Os médicos, porém, só lançam mão da redução de estômago como último recurso. Antes de submeter o paciente ao trauma e aos riscos da operação, insistem na reeducação alimentar, na atividade física e nos remédios emagrecedores.
O técnico de enfermagem Francisco Aguiar Júnior é paciente, no Hospital Universitário de Brasília, do ambulatório de preparação para a redução de estômago. Tem 33 anos e mede 1,66 metro. Para essa altura, o peso ideal vai de 51 a 69 quilos. Ele tem 130. “Tentei tudo. Fiz a dieta da sopa, a dieta da proteína, a dieta da lua. Eu até perdia peso. O problema é que, depois de emagrecer 5 quilos, eu engordava 10”, conta.
A obesidade resulta da combinação de fatores ambientais com fatores genéticos. Os ambientais são, basicamente, o sedentarismo e a má alimentação (comer demais, nas horas erradas ou produtos ricos em açúcar ou gordura). Entre os fatores genéticos, estão as alterações no DNA que tornam o metabolismo mais lento ou que criam uma vontade incontrolável de comer o tempo todo, por exemplo.
“As alterações genéticas são mais determinantes que as ambientais. Tornam a propensão à obesidade tão forte que esses obesos, por mais que se esforcem, simplesmente não conseguem manter eventuais perdas de peso”, explica o endocrinologista Walmir Coutinho, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
Para que o paciente se submeta à cirurgia, o índice de massa corporal (IMC) deve ser o de obesidade mórbida (veja como calcular o IMC na página ao lado). O que tem obesidade severa (um estágio abaixo da mórbida) também pode ser operado, desde que padeça de alguma das doenças ligadas ao peso.
“Pacientes que estão apenas acima do peso me pedem a indicação formal para a cirurgia. Quase sempre são mulheres que desejam de volta a silhueta da juventude. Não dou a indicação. A redução de estômago não deve ser movida pela vaidade”, afirma o senador Paulo Davim (PV-RN), que é cardiologista.
Preconceito – Como toda cirurgia, a redução de estômago envolve riscos. Em 2009, Chiquinho Scarpa quase morreu. Fora do hospital, o playboy desobedeceu a ordem médica de limitar a alimentação das primeiras semanas a líquidos tomados em pequenos goles. Os pontos do estômago se romperam e ele passou 45 dias em coma.
Os cirurgiões dizem que, com o aperfeiçoamento das técnicas, os riscos da redução de estômago já são os mesmos de uma simples retirada de vesícula. A cirurgia pode ser feita por videolaparoscopia, que troca o corte extenso no abdome por pequenos furos.
“O que é de risco não é a cirurgia. É o paciente. A obesidade aumenta os riscos de qualquer operação. Peço a meus pacientes que, antes da cirurgia, percam ao menos 10% do peso. Isso reduz a chance de complicações”, diz o cirurgião Rafael Galvão, coordenador de operações bariátricas da Secretaria da Saúde do Distrito Federal.
Os médicos frisam que a cirurgia só terá resultado definitivo se vier acompanhada de novos hábitos de vida. A literatura médica tem histórias de operados que voltaram à obesidade — o estômago reduzido não impede o consumo de comida rica em gordura ou açúcar.
Outra postulante à cirurgia de redução do estômago no Hospital Universitário de Brasília, a professora de educação infantil Helen Gomes da Silva, 29 anos, 1,61 metro e 118 quilos, sonha com o momento em que não sofrerá mais preconceito: “Enfrento constrangimento quando passo pela roleta do ônibus, compro roupa, vou à piscina. Gostaria de me sentir à vontade nos lugares, sem ter as pessoas me olhando e julgando o tempo todo”.
Médicos pedem criação de filas regionais para a cirurgia no SUS
A entidade dos cirurgiões especializados em redução de estômago pediu ao Ministério da Saúde que criasse filas regionais para esse tipo de operação. Hoje, cada um dos 80 hospitais públicos habilitados tem sua própria fila. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), a existência de várias filas cria uma série de problemas.
O primeiro são os pacientes que entram em duas filas ao mesmo tempo. Isso significa custo extra para o Sistema Único de Saúde (SUS), já que passam duas vezes pelas mesmas consultas e pelos mesmos exames. Outro problema se refere ao mapa da cirurgia de redução de estômago no Brasil. O fato de não haver filas regionais dificulta a obtenção de dados. O Ministério da Saúde não sabe quantas pessoas são operadas pelo SUS, quantas estão na fila, qual é o tempo de espera nem qual é o estado com mais demanda. “Esse tipo de dado é fundamental para a elaboração das políticas públicas”, afirma Irineu Rasera Junior, representante da SBCBM no Ministério da Saúde.
Normalmente, as cirurgias do SUS são realizadas em hospitais estaduais, que depois são reembolsados pelo governo federal. O médico Orlando Pereira Faria, um dos diretores da SBCBM, diz que o fato de haver uma fila em cada hospital abre caminho para o apadrinhamento: “Quem conhece uma pessoa influente no hospital pode acabar sendo favorecido indevidamente”.
Para a chefe do programa de obesidade do Hospital Universitário de Brasília, Marilene Dias, a existência de várias filas acaba prejudicando uma parte dos pacientes. Ela dá um exemplo: “Em Brasília, a cirurgia é feita por um hospital ­federal, que é o nosso, e por um hospital distrital. Quem se inscreve na nossa fila leva mais tempo para ser operado, porque enfrentamos greve e falta de verba”.
O senador Humberto Costa (PT-PE), que é médico e foi ministro da Saúde, apoia a mudança proposta: “As regras ainda estão em construção porque a cirurgia de redução de estômago é relativamente recente no SUS”. Procurado pelo Jornal do Senado, o Ministério da Saúde afirmou que a mudança nas filas não está em discussão no momento. No mês passado, a pasta anunciou novidades nas reduções de estômago realizadas no SUS, como a redução da idade mínima do paciente (de 18 para 16 anos), a adoção de técnicas cirúrgicas mais modernas e o aumento do valor pago aos hospitais públicos. “Hoje entro no manequim 42 feliz da vida”, diz ex-obesa
A jornalista Janete Leão Ferraz, de 53 anos, lança hoje De Top Model a Ex-Obesa: uma relação íntima com a balança (Ferraz&Cortella Editora), sua autobiografia. Se ela agora tem 76 quilos, os créditos devem ser dados à redução de estômago realizada oito anos atrás. Quando entrou no centro cirúrgico, pesava 135 quilos.
A seguir, trechos do ­depoimento dado por Janete ao Jornal do Senado:
“Nos anos 1980, fui modelo de passarela. Era magérrima. Com 1,80 metro, eu pesava 50 quilos. Na gravidez, aos 24 anos, engordei 9 quilos e 15 dias depois de dar à luz já tinha voltado a usar biquíni.
Na época, eu morava em Ilhabela, no litoral paulista, e levava uma vida totalmente saudável. Os problemas começaram a aparecer quando me mudei para São Paulo e passei a trabalhar como repórter numa revista. Como não conseguia mais fazer tanta atividade física, comecei a engordar.
O estopim foi um câncer na tireoide. O órgão precisou ser retirado. Após a cirurgia, fiquei deprimida. Me deram um antidepressivo que tirava o limite da saciedade da fome. Engordei 45 quilos em dois meses.
Eu passei a comprar mais sapatos e joias. Mulher gorda tem sempre um belo brinco, uma bela echarpe ou um belo sapato. Ela se concentra nisso porque as roupas simplesmente não cabem.
Me lembro de uma vez em que levei uma fechada no trânsito. Na hora em que emparelhei com o carro para reclamar, a jovem que dirigia abriu o vidro e gritou: “E ainda por cima é gorda!”. Foi horrível. Parecia uma tampa de bueiro caindo na minha cabeça.
Tentei todas as dietas que você pode imaginar. Até chá de cocô de gato eu tomei. No desespero, você perde a noção da realidade e arrisca tudo.
Somando todos os períodos em que passei em spas, emagreci 350 quilos.
Eu emagrecia, mas logo depois engordava de novo. Na frente do marido e dos filhos, eu fazia dieta. À noite, comia doce escondida. Não conseguia me controlar. Quando você chega a um estágio da obesidade, as dietas não resolvem mais.
Cheguei aos 135 quilos tendo diabetes, pressão altíssima e dores no pé insuportáveis.
Oito anos atrás, tomei coragem e busquei a cirurgia de redução de estômago. Minha vida mudou completamente. Passei a comer muito menos e com mais qualidade. Não troco minhas saladas por nada. Até acompanho meu marido na churrascaria de vez em quando, mas pego só um pedacinho de alcatra. Voltei a praticar esportes. Me curei da diabetes, da hipertensão e das dores.
Depois que emagreci, doei todas as minhas roupas de gorda. Queimei uma delas, imensa, a que eu mais odiava. Hoje entro no manequim 42 feliz da vida.”

SAIBA MAIS
>> Calcule seu índice de massa corporal (IMC) – http://bit.ly/calculoIMC
>> Mitos e verdades da cirurgia de redução de estômago – http://bit.ly/mitosCirurgia
>> Veja as edições anteriores do Especial Cidadania em www.senado.leg.br/jornal
Fonte: por Ricardo Westin, do Jornal do Senado.